Simbolismo, arquitetura e uma cidade mais justa: o Palácio da Justiça de Gouveia

No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.

Neste episódio Sara conversa com o arquiteto Pedro Guimarães, do escritório Barbosa & Guimarães Arquitectos, sobre o projeto do Palácio da Justiça de Gouveia. Ouça a entrevista completa e leia parte da transcrição da conversa, a seguir:

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Sara Nunes - O projecto sobre o qual vamos falar hoje é um tribunal. Na fachada há, inclusivamente, uma série de gravações no betão que dizem "Domus Iustitiae". Espero estar a dizer correctamente porque é latim.

Pedro Guimarães - “Domus Iustitia”. Quer dizer, em latim, Casa da Justiça. 

SN - A minha pergunta, nesse sentido, é: pode a Arquitectura contribuir para uma cidade mais justa, Pedro, com esta Casa da Justiça?

PG - Pode. A arquitectura deve sempre contribuir para tudo e claro que também para uma cidade mais justa. Este desafio de construir este Palácio da Justiça, que também se pode chamar “Casa da Justiça” foi interessante porque nunca tínhamos trabalhado esta tipologia de programa. E, de facto, é diferente de todas as outras porque, primeiro, tivemos de perceber para que é que serve uma Casa da Justiça. É um lugar para onde elas são levadas para serem julgadas. Muitas vezes, para serem ressarcidas de algo que perderam. É uma casa especial. É uma casa diferente de todas as outras e, como uma casa diferente de todas as outras, nós achámos sempre que ia ser uma casa especial. Uma casa que, quando nós entrássemos, sentíssemos que, de facto, estávamos a entrar num espaço diferente, num edifício diferente. Num edifício que estava, de certa forma, acima de nós. Daí... posso já começar a revelar um pouco. Não sei que perguntas é que vais fazer!

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SN - Sim, mas pode começar a revelar mais sobre o projecto!

PG - Acredito que esta casa pode ter esse simbolismo que eu penso que existiu no passado. Aliás, todos os tribunais que nós conhecemos do passado. Todos os tribunais do Estado Novo tinham um carácter simbólico. Uma carga simbólica muito forte, que tinha a ver com a própria volumetria do edifício. A forma como se acedia ao edifício: com uma grande escadaria, uma grande entrada, um grande pórtico. A própria escala do edifício parecia que estava acima da escala humana. É a escala de uma casa, que nós estamos habituados a habitar. Todo o edifício tinha o pé direito elevado. Tinha uma escada com uma escala monumental para que sentíssemos a nossa pequenez humana quando entrássemos num espaço desses, para sentirmos, precisamente, que iríamos ter uma justiça que estava acima da nossa justiça.

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SN - Quase como a justiça divina?

PG - Sim... Quer dizer, não será bem uma justiça divina, mas uma justiça feita por homens e para homens. Uma justiça sobre a qual eu penso que devemos entrar com respeito, com a certeza de que temos de acatar aquilo que lá vai acontecer, mas sobretudo com respeito e com alguma deferência. Pelo que eu registei do estudo, que fomos fazendo das várias tipologias dos tribunais, verificámos que os tribunais tinham todos esse desenho e esse carácter com cargas e elementos muito simbólicos. Passaram depois pela escultura, pela pintura, pelo trabalho das fachadas, das grandes escadarias, os grandes vãos e percebi que muitos dos Palácios da Justiça que estavam a ser feitos em Portugal – um pouco pela forma como a encomenda era feita – transformaram-se em edifícios banais. Ou seja, eu quando passava na rua nem percebia se aquele era um edifício da Justiça, uma Casa da Justiça, um Palácio da Justiça, uma simples repartição de finanças, uma conservatória ou um edifício de escritórios banal.

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Isso teve um pouco a ver com a lógica do pós Estado Novo de fazer uma encomenda de edifícios muito centrados numa perspectiva economicista, onde também funcionou isso, deixando para trás aquela carga simbólica que os palácios antigamente tinham. Essa carga simbólica, muitas vezes, até na própria sala de audiências se traduzia como decoração com tapeçarias, pinturas, frescos, esculturas, desenhos de candeeiros... Tudo era desenhado de uma forma especial para este tipo de casas. E foi, precisamente, isso que, de uma forma assumidamente contemporânea, tentamos fazer neste palácio.

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SN - Acho interessante também o próprio nome. Ser palácio da justiça, não é? É um pouco aquilo que vocês também quiseram recuperar. Há pouco falava que este espaço é um espaço em que as pessoas vão para uma sala de audiências. Muitas vezes, estes edifícios têm um carácter pesado. Acho curioso porque aqui há um carácter de leveza inerente, uma vez que até a própria estrutura... Vocês colocaram o tribunal, assente em pilar, sobreelevando este espaço da justiça. Fale-nos um pouco sobre esta ideia de leveza. 

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PG - A ideia de leveza tem a ver com o conceito de implantação deste Palácio da Justiça. O lote era um lote situado na zona central de Gouveia. Um lote plano, mais ou menos quadrado, que tinha na sua envolvente dois grandes jardins: um jardim a norte e outro jardim a sul. A ideia principal do projecto... Antes de construir o edifício, há sempre a ideia de urbanidade, de fazer cidade, de construir cidade. E a nossa ideia foi, precisamente, conseguir construir a praça, onde existisse um tribunal, mas que essa praça permitisse a ligação entre estes dois espaços de jardim. Ou seja, cerzir, conectar espaços de cidade.

Ouça a entrevista completa aqui. Reveja, também, as entrevistas já publicadas do podcast No País dos Arquitectos:

Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.

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Sobre este autor
Cita: Romullo Baratto. "Simbolismo, arquitetura e uma cidade mais justa: o Palácio da Justiça de Gouveia" 12 Mar 2022. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/977234/simbolismo-arquitetura-e-uma-cidade-mais-justa-o-palacio-da-justica-de-gouveia> ISSN 0719-8906

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